Angela Davis: biografia, militância, ideias, obras - Brasil Escola (2024)

Angela Davis é uma filósofa, escritora, professora e ativista estadunidense. Desde a década de 1960, Davis luta pelos direitos da população negra e das mulheres nos Estados Unidos. Intelectualmente, ela é influenciada pelo marxismo e pela Escola de Frankfurt. Nos movimentos sociais, defende a igualdade entre negros e brancos e a igualdade de gênero, além de teorizar acerca da importância do feminismo negro para reconhecer as dificuldades da mulher negra na sociedade, que, além de sofrer pela misoginia, sofre também pelo racismo.

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Tópicos deste artigo

  • 1 - Biografia de Angela Davis
  • 2 - Ideias de Angela Davis
  • 3 - Livros de Angela Davis

Biografia de Angela Davis

Angela Yvone Davis nasceu no dia 26 de janeiro de 1944, na cidade de Birmingham, Alabama, nos Estados Unidos. Sua cidade sofria, na época de seu nascimento, com a política de segregação racial implantada na maioria dos estados do sul dos Estados Unidos.

Angela Davis: biografia, militância, ideias, obras - Brasil Escola (1)

Davis vivenciou desde cedo o racismo, vendo as ações brutais de uma das organizações mais populares do Alabama na época, a Ku Klux Klan. Além da política oficial de segregação, que não permitia que a população negra tivesse o reconhecimento de seus direitos civis e separava os espaços públicos para negros e brancos, Angela Davis vivenciou atos de barbárie promovidos por brancos contra os negros. Eram corriqueiros os linchamentos de negros e o incêndio e explosão criminosos de casas e igrejas nos bairros habitados por negros.

Na adolescência, Davis organizou um grupo de estudos sobre as questões raciais. O seu grupo foi descoberto, perseguido e proibido pela polícia. Após concluir os estudos básicos, aos 19 anos de idade, Davis mudou-se para o estado de Massachusetts, no norte dos Estados Unidos, para estudar na Universidade de Brandeis. Apesar de o racismo ser um fenômeno presente em todo lugar, os estados do norte dos Estados Unidos estavam muito à frente em questões raciais, não havendo, por exemplo, política de segregação racial.

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Na Universidade de Brandeis, Davis foi aluna de Herbert Marcuse, filósofo alemão da Escola de Frankfurt, refugiado nos Estados Unidos desde a década de 1930 em razão de sua origem judaica. Marcuse era um intelectual muito admirado pela esquerda universitária estadunidense nos anos de 1960, tendo inclusive participado ativamente dos protestos estudantis que surgiram na França e ecoaram no mundo todo em maio de 1968.

Em 1963, ano em que Davis mudou-se para Massachusetts, houve um atentado a bomba em uma igreja frequentada por negros em Birmingham. Quatro adolescentes negras morreram no atentado motivado por racismo, e as quatro eram conhecidas de Angela Davis. Esse fato marcou a sua trajetória e a fez perceber o quão importante era lutar pela questão racial em seu país.

A partir daí, Davis integrou-se ativamente na luta social, tendo filiado-se ao SNCC, que era uma organização antirracista fundada pelo ativista negro Stokely Carmichael. A SNCC tinha como princípios a resistência pacífica, ideal de luta também defendido pelo ativista, filósofo, teólogo e pastor negro Martin Luther King. Com o tempo, a SNCC deixou de existir. Tanto Carmichael quanto Angela Davis aderiram a um estilo de luta pelos direitos mais radical, filiando-se ao Partido dos Panteras Negras, ficando conhecido mais tarde como Movimento dos Panteras Negras.

Os Panteras Negras eram adeptos de uma luta antirracista mais incisiva e combativa, aderindo, inclusive, à luta armada contra o racismo. Angela Davis, contudo, fazia parte de uma frente pacífica do movimento. Nessa época, a ativista também se filiou ao Partido Comunista dos Estados Unidos.

Angela Davis: biografia, militância, ideias, obras - Brasil Escola (2)

Em 1969, por suas ligações com o Partido Comunista e com os Panteras Negras, Davis foi demitida da Universidade da Califórnia, onde ela lecionava Filosofia. Em 1970, o cerco contra ela se tornou ainda mais pesado. Lutando contra a prisão injusta de negros nos Estados Unidos, a filósofa foi vítima de um mal-entendido que a colocou na lista dos dez criminosos mais procurados pelo FBI, acusada de conspiração, sequestro e homicídio.

Em agosto de 1970, Angela Davis estava, como representante dos Panteras Negras, acompanhando o julgamento de três militantes do movimento que estavam presos, os chamados Irmãos Soledad. O irmão de um dos rapazes presos, Jonathan Jackson, de apenas 17 anos, invadiu o tribunal com mais dois comparsas, todos armados, sequestrou, em uma van, o juiz, o promotor e os jurados.

No estacionamento, Jonathan Jackson gritou dizendo que queria em troca dos reféns a libertação dos Irmãos Soledade. O resultado do episódio foi trágico: a polícia perseguiu os sequestradores, houve um tiroteio, Jonathan Jackson matou o juiz sequestrado, o promotor levou um tiro da polícia e ficou paraplégico e os sequestradores foram mortos pelos policiais.

Segundo as investigações policiais, a arma utilizada por Jonathan Jackson estava registrada no nome de Angela Davis. Em 18 de agosto de 1970, Angela Davis passou a integrar a lista dos dez criminosos mais procurados pelo FBI. Ela permaneceu foragida até outubro de 1970, quando foi presa em Nova Iorque. Houve uma intensa busca por ela, com alta cobertura midiática. O seu julgamento durou dezoito meses intensos para o movimento negro e para a sociedade em geral, que passava a discutir a prisão injusta de pessoas negras.

Houve uma grande campanha por sua libertação, chamando a atenção de ativistas, artistas e intelectuais. O músico, compositor e ex-beatle John Lennon e a compositora e artista Yoko Ono compuseram a música “Angela” em sua homenagem. A banda de rock britânica Rolling Stones compôs a música “Sweet Black Angel”, pedindo a libertação de Angela.

Os intensos 18 meses de cárcere e julgamento terminaram com a inocência de Angela comprovada no tribunal e a sua libertação.

Angela Davis: biografia, militância, ideias, obras - Brasil Escola (3)

Após o cárcere, Angela tornou-se uma destacada professora de Filosofia e História em várias universidades prestigiadas nos Estados Unidos. Escreveu e publicou vários livros, militou pelo fim da Guerra do Vietnã, contra o racismo e pela igualdade de gênero.

Em 1980 e 1984, candidatou-se à vice-presidência dos Estados Unidos pelo Partido Comunista, na chapa do candidato à presidência Gus Hall. É uma crítica ferrenha do sistema carcerário estadunidense, considerando-se uma abolicionista penal. A ativista milita pelo fim do cumprimento de penas em presídios, pois considera que os presídios dos Estados Unidos tornaram-se um imenso cárcere de pessoas negras e latinas.

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Ideias de Angela Davis

Angela Davis é uma intelectual de destaque no cenário político atual. Podemos elencar como suas principais ideias:

  • Abolição dos presídios: Davis argumenta que os presídios cresceram muito e tornaram-se o destino de muitos negros, latinos e nativos nos Estados unidos. Segundo a filósofa, o aumento dos presídios e da população carcerária não combate o crime, que continua aumentando. Ela defende que alternativas que visem à educação das populações marginalizadas devam ser tomadas para que o número de encarceramentos diminua até chegar ao ponto em que presídios não sejam mais necessários.
  • Resistência: como militante negra, Angela Davis destaca o importante papel da resistência negra na luta contra o racismo e da integração de todos para que o antirracismo seja efetivo.
  • Intersecção entre classe, raça e gênero: estas três categorias, classe social, raça e gênero, estão entrelaçadas, não sendo possível separá-las, segundo Davis. Para a autora, muitos militantes da esquerda só vêm o fator da classe social, e muitas militantes feministas fecham os olhos para as questões raciais. É necessário enxergar que as três categorias estão juntas.
  • Ligação entre racismo e violência sexual: como herança da escravidão, em que os senhores tinham a legitimidade legal sobre o corpo e a vida de seus escravos e escravas, há uma tendência em se pensar que o homem branco tem poder sobre o corpo da mulher negra. Há também uma tendência à maior sexualização da mulher negra pela mídia, e isso reforça o estereótipo de que a mulher negra é um objeto sexual. Davis reconhece que a mulher branca também sofre com esse problema, causado pela dominação machista, mas entende que as mulheres negras estão em maior desvantagem por questões étnicas.

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Livros de Angela Davis

  • Mulheres, Raça e Classe: nesse livro, a filósofa expõe uma de suas maiores ideias, a de que há uma inseparável intersecção entre classe, raça e gênero. Ela também apresenta a sua tese contra o sistema carcerário. Foi o primeiro e mais difundido livro de Angela Davis no Brasil.
  • Mulheres, Cultura e Política: é uma compilação de artigos escritos e conferências proferidas por Davis. Nesse livro, ela faz uma espécie de balanço geral sobre a sua luta e sobre a situação do feminismo negro no mundo.
  • Estarão as Prisões Obsoletas?: é um livro em que a filósofa se dedica a desenvolver a sua tese contra o encarceramento, apresentando, a partir da visão do sistema carcerário estadunidense, como as prisões tornaram-se espaços para prender minorias étnicas.
  • A Liberdade é Uma Luta Constante: o livro lançado em 2018 é uma compilação de artigos, entrevistas e palestras feitos entre 2013 e 2015. Trata-se de um apanhado geral de várias ideias da autora e foi organizado pelo militante Frank Barat.

Créditos das imagens

[1] Antonio Scorza / Shutterstock

[2] RIA Novosti archive / Commons

Por Francisco Porfírio
Professor de Filosofia

Angela Davis: biografia, militância, ideias, obras - Brasil Escola (2024)

FAQs

Quais eram as principais ideias de Angela Davis? ›

Ao localizar o papel social das mulheres na escravidão, Davis buscou demonstrar que as mulheres negras eram vistas como anomalias quanto ao padrão de feminilidade do século XIX, afinal assumiam em pé de igualdade o trabalho produtivo e não eram consideradas mães.

O que a Angela Davis defende? ›

A ideia de que a justiça pode e deve ser alcançada por meios alternativos está no centro do conceito que une o abolicionismo penal e o feminismo, defendido pela filósofa norte-americana e professora emérita da Universidade da Califórnia Angela Davis, com quem a Agência Pública conversou.

Quais foram as contribuições e o ativismo de Angela Davis e com quais movimentos Ela esteve associada? ›

Após conquistar sua liberdade, Davis dedicou-se ao ativismo, especialmente à luta pelo abolicionismo penal – um movimento teórico e social de reflexão e atuação política que visa o fim do aprisionamento como mecanismo primordial de punição.

Como está Angela Davis atualmente? ›

Hoje em dia, aos 80 anos, além do seu ativismo político, Angela Davis também é conhecida por seu trabalho acadêmico como professora de Estudos Feministas e Estudos Afro-Americanos na Universidade da Califórnia. Angela também é autora de vários livros que abordam questões de raça, classe, gênero e justiça.

Qual era a filosofia de Angela Davis? ›

Davis, que afirma que a arma foi utilizada sem seu conhecimento, foi presa, despertando a campanha “Libertem Angela Davis”, que mobilizou ativistas e intelectuais do mundo inteiro. Davis acredita que raça, classe e gênero são categorias que devem ser consideradas em conjunto.

Quem foi Angela Davis biografia? ›

Davis cresceu na cidade de Birmingham, onde vigoravam leis de segregação racial que diminuíam direitos da população negra. A ativista assumiu papel importante na luta revolucionária negra e hoje é autora de livros como Mulheres, Raça e Classe; Uma Autobiografia; A Democracia da Abolição; e O Sentido da Liberdade.

O que é liberdade para Angela Davis? ›

Para Davis, ao contrário, a liberdade é luta contra todas as formas de violência; luta coletiva e não individual; luta dos oprimidos por condições dignas de vida.

Como Angela Davis se envolveu com o Partido Comunista dos Estados Unidos? ›

Angela Davis candidatou-se a vice-presidente dos Estados Unidos em 1980 e 1984 como companheira de chapa de Gus Hall, presidente do Partido Comunista Americano, tendo votação irrisória. Continuou sua carreira de ativista política e escreveu diversos livros, principalmente sobre as condições carcerárias no país.

Qual frase foi dita por Angela Davis que ganhou força com a Dia da Consciência Negra? ›

“Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”. A conhecida frase da filósofa Ângela Davis é incisiva e provoca reflexão sobre o combate ao racismo estrutural no Brasil, um debate que ganha força com o Dia da Consciência Negra.

Qual foi o primeiro livro de Angela Davis? ›

Primeiro livro de Angela Davis lançado no Brasil, Mulheres, raça e classe é o pilar do que defende a autora: a visão interseccional de todas essas bandeiras. Em um dos capítulos do livro, a autora destaca: “Claro que classe é importante. É preciso compreender que classe informa a raça.

O que foi o movimento dos Panteras Negras? ›

O Partido dos Panteras Negras foi um movimento político e social negro dos Estados Unidos, fundado em 1966 por Huey P. Newton e Bobby Seale na cidade de Oakland, Califórnia. O partido tinha como objetivo combater a violência policial e a opressão racial, além de promover a igualdade de direitos para os afro-americanos.

Em que medida Angela Davis diferencia o exercício do trabalho? ›

a) Angela Davis diferencia o exercício do trabalho realizado por mulheres negras e mulheres brancas ao longo da história ao apontar que as mulheres negras sempre trabalharam mais fora de casa, reproduzindo um padrão estabelecido durante os primeiros anos da escravidão.

Que frase de Angela Davis é citada no texto? ›

“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela” A frase foi dita por Angela Davis em 2017, em uma conferência na Bahia.

O que é Interseccionalidade para Angela Davis? ›

Para chegar ao conceito de interseccionalidade, central em sua obra, Davis faz uma amarração histórica desde a condição das mulheres negras no período da escravidão nos EUA até o movimento antiescravagista e o papel que as mulheres brancas assumiram durante e depois dele, levando-nos ao ponto comum existente na ...

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